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O tartaranhão, os cereais e o Serviço Nacional de Saúde

O tartaranhão, os cereais e o Serviço Nacional de Saúde


O tartaranhão-caçador é uma pequena ave de rapina migradora que, depois do inverno, regressa a Portugal para se reproduzir. Necessita de grandes áreas abertas, procurando as extensas áreas de produção de cereal para fazer o seu ninho. Alimenta-se de roedores e insetos, sendo um bom aliado dos agricultores, e tem um papel importante no equilíbrio ecológico dos nossos campos.

No entanto, a drástica redução em Portugal das áreas de cultivo de cereais desde 2000 (cerca de 80%), agravada por outras ameaças como o uso de pesticidas ou as datas de colheita mais adiantadas, destruindo os ninhos no meio das searas, levou o tartaranhão a um declínio populacional de cerca de 80% (!) nos últimos 10 anos. É agora uma das espécies mais ameaçadas em Portugal e na Península Ibérica. Os menos de 200 casais ainda existentes estão em risco de desaparecer totalmente em poucos anos.

O projeto Vida sos pygarguscoordenado pela Palombar e iniciado em Setembro, une conservacionistas, agricultores, distribuidores e cientistas numa colaboração ibérica com 17 parceiros públicos e privados, para, ao longo dos próximos seis anos, tentar evitar a extinção do tartaranhão-caçador (Circus Pygargus) em Portugal e no oeste de Espanha.

Uma das medidas mais urgentes é a proteção dos ninhos para evitar a morte das aves durante a colheita dos cereais. A médio prazo, a estratégia passa por conjugar as práticas agrícolas com a nidificação desta ave, selecionando e promovendo variedades de cereais e forragens mais compatíveis com a sua conservação, por exemplo com datas mais tardias de ceifa e com uso mais reduzido de químicos.

Para ter sucesso é essencial incentivar o cultivo de cereais de forma mais sustentável, valorizando os agricultores que o fazem e garantindo que a sua produção seja economicamente viável. Uma das formas de tornar este cultivo mais atrativo é investir em variedades tradicionais, como o trigo barbela, que têm uma crescente procura por ser melhor para a alimentação e para o ambiente.

O trigo barbela é uma relíquia do século passado que resistiu à modernização agrícola, vingando nos solos pobres onde os trigos melhorados falham. O trigo barbela tem 40 vezes menos glúten que os trigos modernos, é rico em óleos naturais e minerais. Segundo os agricultores, o trigo barbela produz uma palha de melhor qualidade para a alimentação animal, e não precisa de tratamentos por conseguir alcançar os nutrientes em profundidade e as suas canas altas reduz as ervas daninhas em seu redor.

Estas variedades, com menor teor de glúten, são melhores para quem sofre com sensibilidades alimentares, e são cultivadas com menos pesticidas e fertilizantes, reduzindo a exposição a químicos prejudiciais.

Num país onde “casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”, ao promover estas variedades, contribuímos para a conservação do tartaranhão e da natureza (de que fazemos parte), como também melhoramos a qualidade da nossa alimentação. A produção de cereais mais saudáveis e sustentáveis pode ter um impacto direto na redução de doenças associadas a dietas pobres, como obesidade, diabetes e problemas cardiovasculares, aliviando a pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Apesar das vantagens de uma agricultura mais sustentável, produtos biológicos ou de melhor qualidade continuam a ter um custo mais elevado e são inacessíveis para parte da população. Isso leva a um consumo de produtos mais baratos, frequentemente ultraprocessados, com maior uso de químicos e menor valor nutricional. Esta situação contribui para problemas de saúde pública, aumentando os custos para o SNS. Estima-se que, em Portugal, o excesso de peso e obesidade custam 1,2 mil milhões de euros e a má nutrição mais 225 milhões por ano.

A natureza que nos rodeia também desempenha um papel fundamental no nosso bem-estar mental. O contacto com a Natureza ajuda a reduzir o estressea ansiedade e a depressão, sendo em alguns países uma abordagem complementar para problemas de saúde mental. Além disso, atividades ao ar livre, como a observação de aves, promovem a atividade física, trazendo benefícios adicionais para a saúde geral da população. Manter espécies como o tartaranhão não é apenas bom para os passarinhos e plantinhas, mas também uma estratégia de melhoria da nossa qualidade de vida e sobrevivência.

Infelizmente, em vez de se apoiar mais os agricultores que produzem com práticas mais sustentáveis e de incentivarem um aumento da qualidade dos produtos importados, muitos têm defendido a redução das salvaguardas ambientais na agricultura com o argumento de tornar os produtos nacionais mais competitivos face às importações de países fora da União Europeia, onde as regras ambientais e de segurança alimentar são muitas vezes menos rigorosas. Essa abordagem compromete a qualidade da produção alimentar, a saúde pública e a conservação da biodiversidade.

Em vez de desregulamentar e fragilizar ainda mais os sistemas agrícolas, tem de ser feita uma aposta séria num modelo de produção sustentável e de elevada qualidade, apoiado por incentivos justos aos agricultores que adotam boas práticas e permitindo manter preços acessíveis para todos nós e assim contribuindo para uma redução da pressão sobre o SNS.

A sobrevivência do tartaranhão e das produções agrícolas sustentáveis depende das nossas escolhas como consumidores (e capacidade económica), mas também muito das escolhas políticas e de incentivos adequados. Só assim poderemos garantir que tanto as espécies selvagens como os agricultores possam “escapar à extinção” e prosperar num modelo de produção que respeite o ambiente e a saúde pública e garanta a nossa própria qualidade de vida.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico



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