A casa de dois andares com piscina e jardim de Sonia Ferreira na costa brasileira foi mais uma vítima do avanço das ondas do Oceano Atlântico, impulsionadas pelas mudanças climáticas.
Em uma visita recente, a aposentada de 80 anos olhou ao redor do monte de escombros deixados pela casa que abandonou antes de ser destruída em 2022 pelas ondas fortes em Atafona, norte do Rio de Janeiro.
“Evitei voltar aqui porque temos muitas lembranças. É muito triste”, disse ela, mostrando no celular imagens da casa que construiu há 45 anos.
O aquecimento global, aliado ao assoreamento do Rio Paraíba, contribuiu para a erosão do litoral de Atafona e causou a destruição de 500 casas, incluindo o desabamento de um prédio de quatro andares à beira-mar.
Esta é apenas uma das inúmeras comunidades litorâneas que perdem suas batalhas para o oceano em toda a extensão dos 8.500 quilômetros de costa atlântica do Brasil.
O nível do mar subiu 13 centímetros na região em torno de Atafona nos últimos 30 anos e poderá subir mais 16 centímetros até 2050, de acordo com o relatório das Nações Unidas “Mares agitados num mundo em aquecimento”, divulgado no mês passado.
Corrida oceânica em direção às comunidades costeiras
Áreas costeiras como Atafona poderão ver o oceano avançar para o interior em até 150 metros nos próximos 28 anos, disse Eduardo Bulhos, geógrafo marinho da Universidade Federal Fluminense.
“A combinação das alterações climáticas e do aquecimento global… com um rio que já não transporta areia para as praias de Atafona, causou uma catástrofe para os seus residentes e não há esperança de que esta situação seja revertida”, disse à Reuters.
Embora dramática, a situação de Atafona não é única no Brasil.
A praia de Ponta Negra, um dos balneários mais populares do nordeste do Brasil, também está encolhendo. Nas últimas duas décadas, perdeu 15 metros de areia branca para o mar. O governo local está trazendo areia de outros lugares, num esforço dispendioso para recuperar a praia.
Na foz do poderoso rio Amazonas, um ecossistema frágil está ameaçado pela perda de biodiversidade, uma vez que o rio perdeu força na seca mais severa de que há registo na região, deixando a água salgada do oceano avançar rio acima.
“A água salgada chega mais acima no rio e isso vai mudar toda a biodiversidade daquela área”, disse o oceanógrafo Ronaldo Christofoletti, da Universidade Federal de São Paulo.
No ano passado, a água salgada chegou rio acima até Macapá, uma cidade a 150 quilómetros da foz do Amazonas, matando peixes de água doce e impactando as comunidades piscatórias locais.
Mudanças climáticas causam enorme aumento no nível do mar
O Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC), o órgão da ONU que avalia a ciência relacionada com as alterações climáticas, informou que o nível do mar está a subir mais rapidamente do que nunca, com a taxa mais do que duplicando nos últimos 10 anos, para 0,48 centímetros por ano, em comparação com para 0,21 centímetros anualmente de 1993 a 2002.
Christofoletti disse que a perda de terras nas cidades costeiras e nas praias é inevitável com a subida do mar, questionando por que o planeamento urbano não se adaptou.
“É chocante ver casas sendo destruídas em Atafona. Mas não era suposto construir casas lá. Deveria ter mata, mangal, banco de areia, ecossistemas que estariam naturalmente preparados para aguentar o mar”, disse.