
O Edifício J. Edgar Hoover, mais conhecido como a sede do FBI em Washington, é um dos bens que constam da lista de 443 propriedades a alienar divulgada recentemente pela administração Trump, mais uma medida que se junta à política de cortes radicais em vastos sectores dos serviços federais.
O icónico edifício em betão, que figurou em filmes como Os Homens do Presidente, Perigo Imediato ou em séries como X arquivossurgiu como muitos outros na primeira lista elaborada pela General Services Administration (GSA), a agência que gere o portfólio imobiliário do governo federal, agora nas mãos de um Presidente que também administrou um império imobiliário. São centenas de edifícios que foram considerados dispensáveis pela GSA até surgir a polémica.
Vários artigos nos principais mídia norte-americanos, como o New York Timesinterrogaram-se qual o destino que terão alguns destes edifícios protegidos como património histórico. O diário considerou estar-se perante “uma tentativa agressiva” do Governo Trump para vender uma quantidade expressiva — e muito valiosa — de propriedade federal. A GSA detém, segundo o seu sitemais de 8397 edifícios espalhados pelos Estados Unidos, entre a posse directa e o arrendamento.
Num segundo momento, a lista de edifícios a vender foi reduzida para 320 itens, com o edifício do FBI a deixar de figurar. Mas, com a polémica sem sinais de esmorecer, a segunda compilação também desapareceu do site da GSA. A agência, no entanto, deixou um recado: “Estamos a identificar edifícios, instalações e propriedades que não são essenciais para as operações do governo para os alienar. Essa venda garante que, a partir daqui, o dinheiro do contribuinte não seja gasto em espaços federais vagos ou subutilizados. Descartar esses activos ajuda a eliminar a sua manutenção dispendiosa, o que nos permite reinvestir em espaços de trabalho de alta qualidade que apoiam as missões da agência.”
A sede do FBI, localizada na Avenida da Pensilvânia, cujo troço mais importante liga a Casa Branca ao Capitólio, é um edifício em betão com 220 mil metros quadrados de área construída, ocupando um amplo quarteirão, desenhado no estilo brutalista popularizado pelo recente filme protagonizado por Adrien Brody sobre um arquitecto modernista. Tal como muitos outros imóveis, significa uma oportunidade de negócio única devido à sua localização e grande dimensão. É um edifício sem dúvida interessante, mais que não seja pelo seu papel na cultura popular, que foi finalizado nos anos 60 e saiu do atelier de Charles F. Murphy. Mas há críticas de que funciona como um bloco pouco permeável, uma verdadeira fortaleza, características exacerbadas pelas medidas de segurança exigidas por um edifício que alberga uma agência de investigação criminal.
Se vários mídia discutiram as consequências da operação imobiliária – o New York Timescitando uma porta-voz da agência, apontou o “enorme interesse” que a operação já despertou; o site do Politico alertou para a disrupção que a venda do Edifício Robert F. Kennedy, sede do Departamento da Justiça, podia provocar nos serviços —, mais recentemente um artigo do Art Newpaper punha o foco no valor histórico e arquitectónico do património que a agência quer vender.
Menos é mais
Se o quartel-general do FBI é um pouco mal-amado em Washington, já o mesmo não se pode dizer de edifícios com os escritórios dos Arquivos Nacionais em Seattle, um exemplar Art Déco. Outra surpresa foi a inclusão do Old Post Office, em Washington, um edifício revivalista, com muito de neo-romântico, sobre o qual muito se escreveu por ter sido convertido num hotel de luxo pela Trump Organization, após um aluguer de longa duração assinado em 2012. Foi descrito como uma paragem obrigatória para os representantes de governos estrangeiros e lobistas que procuravam o favor de Donald Trump durante a sua primeira presidência. Com a sua emblemática torre do relógio, é um sobrevivente de várias tentativas de demolição e continua a ser uma das estruturas mais altas da capital federal depois do Monumento de Washington.
Surgiram na lista também jóias da arqueologia industrial como a Central Heating Plant, igualmente em Washington, desenhada pelo arquitecto Paul Philippe Cret, registada em 2007 no Registro Nacional de Lugares HistóricosTAL COMO O Velho Correio.
Há dois edifícios que são assinados por estrelas da arquitectura do século XX: Mies van der Rohe ou Marcel Breuer.
O edifício de Mies incluído pela GSA é uma torre de 45 andares que aloja o edifício federal John C. Kluczynski em Chicago, uma proposta modernista com a famosa escultura de Alexander Calder a dominar na praça fronteira. O arranha-céus, que foi desenhado entre 1959 e 1966, é um exemplo das duas máximas de Mies: “menos é mais” e “Deus está nos detalhes”. Veio completar o complexo federal no centro de Chicago feito por Mies e tal como a sua torre de Nova Iorque tornou-se um dos modelos mais influentes para os edifícios de escritórios no século XX. O edifício Kluczynski foi renovado em 2013.
O segundo edifício de indiscutível qualidade arquitectónica é a sede do Departamento da Habitação e Desenvolvimento Urbano, concluída em 1968 por Marcel Breuer. Um belo exemplar da arquitectura brutalista, exibe uma planta com a forma de um “X”, com os braços alongados e curvilíneos, de maneira a que uma quantidade máxima de luz natural atinja o maior número de escritórios, uma fórmula que Breuer já tinha testado no edifício da UNESCO em Paris, de que é um dos autores.
Os edifícios de Breuer e de Mies, tal como o do FBI, foram dos que constaram brevemente da lista que surgiu há uma semana, logo corrigida por uma segunda lista. Agora, avisa-se que outra nova há-de chegar “em breve”.
O anúncio, porém, não espelha apenas a estratégia, acusada de ser caótica, e de que Elon Musk é o principal rosto, de despedir funcionários federais, extinguir serviços e, por último, deu a entender o anúncio da GSA, fazer desaparecer os locais de trabalho. Muitos destes edifícios, com áreas muito amplas, apresentam grandes desafios de manutenção e mesmo de conservação. Administrações anteriores, incluindo a de Obama e de Biden, já tentaram programas para reformar edifícios federais em desuso, nomeadamente através da entrada em vigor do Federal Assets Sale and Transfer Act, assinado em 2016.
A sede do FBI tem, neste momento, o betão com que foi construída a chegar ao final do seu ciclo de vida, com registos de bocados a cair no concorrido passeio da Avenida da Pensilvânia. Em 2006, o custo de renovar o edifício foi estimado, por baixo, em 850 milhões de dólares. Foi contratada uma empreitada de quase seis milhões dólares para retirar pedaços que ameaçavam soltar-se dos pisos superiores e colocada uma rede para evitar futuras quedas.
Em 2011, um relatório apresentou três hipóteses para o futuro do Edifício Hoover: a construção de uma nova sede noutro local; uma renovação que levará 14 anos e custará 1,7 mil milhões de dólares; a sua demolição e a construção de uma nova sede na mesma morada, numa operação avaliada noutros 850 milhões; e, por último, nada fazer.