Recent News

Alunos sem aulas e um milagre que não existiu

Alunos sem aulas e um milagre que não existiu


Acabamos de viver sete dias que pareciam mudar não o mundo, mas o panorama da educação em Portugal. O senhor ministro da Educação e o senhor primeiro-ministro haviam anunciado vitória: o problema da falta de professores estava quase resolvido, já quase não havia alunos sem aula. Os números eram assombrosos: 90% de redução em relação ao ano anterior. Tudo isso, antes do tempo previsto para atingir a meta. Ambiciosa, é claro. Que aqui não se brinca.

Manchete em semanário nacional, com notícia — quer dizer, com a palavra dada ao chefe da pasta dentro do jornal, e, no mesmo dia 22, mais um episódio da permanente percorrer governamental. Dessa vez numa escola, em que Luís Montenegro explicava, mais uma vez, que resolvia, como ninguém antes dele, “os problemas das pessoas”. E precisava até que não era bem 90% de redução, era 89%. O rigor é muito bonito.

Depois de sete dias, o problema voltou. Fernando Alexandre reconheceu que os números que havia anunciado não correspondiam à realidade. Já não foi manchete, mas apenas título na primeira página do mesmo semanário. Com explicações na mesma página 5: foi enganado pelos serviços do próprio ministério, mandou fazer uma auditoria interna, pediu desculpas ao jornal. É natural: você as devia. Mas também as devia a mais alguém: por exemplo, aos governados em geral e aos que, antes dele, também haviam trabalhado para resolver o problema. Mas não, os governados devem é agradecer-lhe o trabalho e o foco (esta palavra é obrigatória em qualquer discurso dos atuais governantes), visto que, sendo ministro, estava lá para outra coisa — não sabemos o quê, mas a culpa é nossa ; quanto aos antecessores, continua afirmando que eram incapazes e que ele sim, trabalha como ninguém nunca fez. Quase só falta ele dizer que a culpa de ter proclamado sua vitória com base em bobagens é desses mesmos antecessores. O autoelogio cai um pouco mal, especialmente depois de um “acidente” desse tipo…

Não posso deixar de questionar: o que leva uma pessoa como o ministro da Educação, que é tido por competente e honesto, inteligente e trabalhador, etc., que tem merecido elogios de quase todos os quadrantes, a se colocar numa situação como essa?

Será uma pequena dose de lunatismo? Aqueles que chamamos de lunáticos muitas vezes têm imensas qualidades, morais, intelectuais e outras. Só não têm os pés no chão. Vivem em outro mundo, ignorando que neste os problemas são frequentemente complexos e não se resolvem com meia dúzia de ideias e outras tantas medidas. São, portanto, capazes de acreditar em coisas estapafúrdias. Neste caso, no milagre de terem deixado de faltar professores. Enquanto o diabo esfrega um olho.

Será um desmaiado vestígio de sobranceria? Os que se consideram superiores têm tendência para olhar com desdém os outros. Na expressão popular, “botá-los ao desprezo”. Esta tendência foi muito cultivada na campanha de oposição levada a cabo contra os anteriores governantes. Se é socialista, é incompetente, dizia-se. Há aqui um problema: a falta de cultura democrática. Um adversário político merece respeito: não é idiota, é apenas alguém que tem opiniões políticas diferentes. Ignorar isso é, até prova em contrário, antidemocrático.

Será um leve traço de irresponsabilidade? Há pessoas que sempre conseguem atribuir a outros a responsabilidade por seus atos, principalmente se estes não forem brilhantes. Ou que, como diz a língua popular portuguesa, criativa e perspicaz na tradução desses procedimentos, sacodem a água do capote. No caso presente, há um ministro que, segundo ele, recebeu dados conflitantes dos serviços em vários momentos; aparentemente, ele não achou estranha a disparidade dos números nem quis saber o que isso significava. É compreensível, já que ele tem doutorado em Economia e todo mundo sabe que economistas não lidam com números. Agora, que lhe choveu em cima do capote, trata de sacudir a água para cima dos capotes dos outros: os dos serviços e os dos anteriores governantes. Certamente haverá responsabilidades divididas, mas quem agora usa o capote não pode se furtar de sua parte. Foi, aliás, fardado com esse capote de herói que proclamou a vitória. Antes do previsto! Ele e não os serviços nem os predecessores. É verdade que ele teve a companhia do primeiro-ministro. Talvez o capote desse seja mais resistente e permita que ele passe entre os pingos da chuva…

Será, finalmente, um pouco do ar do tempo? Todos o respiramos, uns apreciando e aproveitando, outros rejeitando e denunciando. Mas a ideia de que problemas complexos têm soluções simples é componente essencial daquilo a que chamamos populismo. Deus me livre de estar a dar um passo maior que a perna: não estou a chamar populista ao senhor ministro. Mas que parece que o vírus o ronda, parece; de outro modo, não teria dado este passo maior que a perna. Que, segundo dizem, não parece dele.

Enfim, o mundo não mudou. Não há milagres. Continuam a faltar professores em Portugal.



Source link

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *