
A partir deste ano, os contribuintes que têm activos em paraísos fiscais — territórios onde a tributação é nula ou muito baixa — são obrigados a indicar essa informação na declaração de IRS. O leque de dados a declarar ao fisco abrange desde os valores das contas bancárias abertas nessas jurisdições aos direitos de propriedade sobre bens imóveis, passando pelas acções ou participações em empresas aí localizadas.
A lista dos activos que os contribuintes são obrigados a declarar foi conhecida agora, através de um decreto-lei do Governo, publicado no Diário da República de quinta-feira.
Já se sabia que os cidadãos com ligações a paraísos fiscais teriam de o fazer, porque o dever está previsto no Código do IRS desde que a lei do Orçamento do Estado para 2024 entrou em vigor, mas o actual Governo entendeu que era necessário especificar quais as “categorias de activos” abrangidas para haver “certeza jurídica”. E é isso que o diploma vem fazer, definindo nove grandes áreas.
Em primeiro lugar, aparecem os “direitos de propriedade ou figuras parcelares desses direitos sobre bens imóveis aí situados”. A forma como o Governo redigiu esta norma faz com que apenas seja preciso declarar a detenção de casas ou outros imóveis especificamente localizados nos paraísos fiscais, mas não os direitos de propriedade que digam respeito a imóveis localizados noutro país, através de uma triangulação que envolva, pelo meio, um paraíso fiscal. No entanto, se o direito de propriedade for exercido através de uma empresa, a obrigação existe, porque as participações empresariais em paraísos fiscais são de declaração obrigatória.
O segundo tipo de activos a declarar diz respeito aos “automóveis, embarcações ou aeronaves” registados nos paraísos fiscais.
O terceiro, ao “valores detidos em contas de depósito ou de títulos em entidades com sede ou domicílio nessas jurisdições ou em sucursais aí situadas”.
Quarta categoria: as “acções, quotas e partes de capital em entidades com sede ou domicílio nessas jurisdições”. É um universo lato, pois abrange as empresas e outro tipo de entidades, independentemente do fim para o qual foram criadas (pense-se, por exemplo, num cidadão português que tem uma empresa sediada nas Ilhas Caimão que, por sua vez, é accionista de uma empresa portuguesa ou que é dona de um imóvel no exterior, em Espanha ou em Portugal).
Quinta categoria de activos a declarar: as “unidades de participação e títulos análogos em organismos de investimento colectivo, organismos de investimento alternativo ou organismos de investimento em capital de risco geridos ou administrados por entidades com sede ou domicílio nessas jurisdições ou por sucursais aí situadas”.
Sexta: “obrigações e outros valores mobiliários emitidos por entidades com sede ou domicílio nessas jurisdições”.
O sétimo tipo de activos da lista diz respeito a “suprimentos e outros empréstimos concedidos a entidades com sede ou domicílio nessas jurisdições ou a sucursais aí situadas”.
O oitavo: “contratos de seguro ou de renda com entidades com sede ou domicílio nessas jurisdições ou por sucursais aí situadas.
Por fim, também será preciso declarar os “activos ou valores detidos por intermédio de sociedades de pessoas e estruturas fiduciárias, de que seja beneficiário, aí registadas ou geridas ou administradas por entidades com sede ou domicílio nessas jurisdições ou por sucursais aí situadas.”
A obrigação já vai aplicar-se às declarações de rendimento a entregar entre Abril de Junho deste ano, referentes aos rendimentos ganhos ao longo do ano passado (2024).
A lista dos territórios a que a lei faz referência é a que está balizada na Lei Geral Tributária (LGT). Definida através de uma portaria, a lista tem 80 jurisdiçõesdos Emiratos Árabes Unidos às Bermudas, das Baamas ao Belize, de Hong Kong a Ilhas de Man, do Mónaco ao Panamá, de São Marino às Ilhas Virgens Britânicas.
Rendimentos isentos ficam de fora
Além de regular a obrigação sobre os activos controlados em paraísos fiscais, este mesmo diploma vem, em sentido contrário, eliminar a obrigação de os contribuintes declararem no IRS certos rendimentos isentos (como os subsídios de refeição e as ajudas de custo que constam da declaração mensal de remunerações) ou rendimentos que já foram tributados (como os juros de depósitos, que já foram sujeitos a taxas liberatórias e já são do conhecimento da Autoridade Tributária e Aduaneira).
A lei do Orçamento do Estado para 2024 previa a obrigação de indicar os rendimentos sujeitos a taxas liberatórias não englobados e rendimentos não sujeitos a IRS se o valor fosse superior a 500 euros, mas, como o fisco já conhece a informação, o actual Governo decidiu acabar com esse dever, porque além de a informação não assumir “qualquer relevância para efeitos da liquidação do IRS”, o fisco “já dispõe” das informações, logo, haveria uma “duplicação de informação”.