Passado um ano, volto novamente ao tema que designo de paradoxo da mitigação climática. Um paradoxo é, por definição, uma afirmação que se contradiz ou que leva ao resultado contrário do que afirma. Através de um raciocínio lógico aparentemente válido, e partindo de premissas verdadeiras ou aparentemente verdadeiras, um paradoxo leva a uma conclusão ilógica ou autocontraditória.
Um paradoxo muito citado na economia ambiental é o Paradoxo de Jevons, atribuído a William S. Jevons, que em seu livro Sobre a questão do carvão (1895) observa que o consumo de carvão na Inglaterra aumentou dramaticamente com a introdução de máquinas a vapor muito mais eficientes que consumiam menos.
Os ganhos de eficiência energética das novas máquinas a vapor baratearam muito a produção de energia, derrubando o preço dos produtos finais, e com isso, em vez de reduzir o consumo global de carvão, verificou-se exatamente o contrário: aumento da demanda e do consumo em toda a cadeia de valor.
Depois desse exemplo, muitos casos podem ser usados para demonstrar que esse paradoxo continua válido. Menores custos, maior eficiência e menor consumo, leva a mais carros rodando, mais quilômetros rodados, mais combustível gasto no total, portanto ao aumento do consumo de derivados de petróleo, além de matéria prima. O uso eficiente da água na agricultura e no consumo doméstico é outro exemplo desse paradoxo.
Pelo que sua utilidade no contexto da mitigação das alterações climáticas é, actualmente, de extrema importância. Se não for devidamente compreendido, especialmente por economistas, políticos e decisores, as consequências serão irremediáveis, e algumas irreversíveis.
Dentre várias estratégias que estão sendo implementadas para a mitigação climática, destaca-se o aumento da eficiência energética, que se traduz em produzir o mesmo com menos energia, ou produzir mais com a mesma energia.
Como a economia de mercado precisa de crescimento, a opção sempre recairá sobre produzir mais com a mesma energia. Pelo Paradoxo de Jevons, esse resultado leva, no final, ao aumento de consumo, seja de recursos minerais ou de energia.
A agravar esse aumento está o aumento da população e do rendimento per capita. Na prática, vai-se produzir muito mais com mais energia gasta. Isto é, alcança-se a dissociação relativa dos combustíveis fósseis (menor consumo por unidade), mas não a dissociação absoluta (menor consumo total).
No artigo de Outubro de 2023, identifiquei uma lista de novos processos da economia mundial, que são parte das medidas estratégicas para o combate às alterações climáticas, as quais, paralelamente ao aumento demográfico esperado nas próximas décadas, vão exigir aumentos adicionais de consumo de energia primária e de recursos minerais (vejam-se as notícias recentes sobre o consumo de energia na inteligência artificial).
Nos artigos seguintes, de novembro e dezembro, ficou demonstrado que a excessiva dependência energética da economia mundial levará a uma impossibilidade de descarbonização. Já que as necessárias altas taxas de aumento de energias renováveis e de redução de energias fósseis são incompatíveis com as taxas médias anuais dos indicadores econômicos.
Assim, dada a necessidade de uma rápida transição energética, o Paradoxo de Jevons, juntamente com o estado atual de urgência climática, nos leva ao Paradoxo da Mitigação Climática – medidas de mitigação climática geram mais emissões, ou a impossibilidade de uma redução drástica , que, por seu lado, gera mais aquecimento global e, logo, mais alteração climáticas.
Baseado numa identidade matemática de Ehrlich-Holdren, que nos dá o impacto ambiental baseado na população total, na riqueza ou no consumo per capita e na intensidade tecnológica (e.g. intensidade de carbono – emissões por dólar consumido), é possível identificar as condições necessárias para a mitigação climática de qualquer limiar de aquecimento global, de 1,5, dois ou três graus Celcius.
Basicamente, através desta identidade, multiplicando a população mundial de um dado ano (oito mil milhões) pelo respectivo rendimento médio anual per capita (12.500 dólares) e pela intensidade de carbono (370gr/$), obtém-se a emissão mundial de dióxido de carbono de origem fóssil desse mesmo ano (37 mil milhões de toneladas).
A partir desta identidade, demonstra-se que a taxa de variação anual das emissões de dióxido de carbono é igual à soma das taxas anuais das respectivas variáveis. A tabela apresentada mostra, para diferentes períodos recentes, a evolução da taxa anual de cada uma destas variáveis e a soma entre elas, comparada com a taxa real de variação das emissões de dióxido de carbono mundiais.
Como pode ser visto, sempre que há forte crescimento econômico, há uma rápida transição energética (maior redução de intensidade de carbono), mas também maior aumento de emissões anuais. Já quando há estagnação ou recessão econômica, há menor transição energética e menor aumento de emissões.
Assim, podemos concluir que, pelo fato de o crescimento econômico ser essencial à inovação para a transição energética: a) sem crescimento não há inovação ou investimento; b) maior crescimento econômico leva a transição energética mais rápida. Por outro lado, mais crescimento econômico implica em aumento da renda disponível, aumento do consumo e investimento, e consequentemente, aumento das emissões.
Contudo, e além disso, identificam-se constrangimentos ao crescimento econômico que advêm do agravamento das mudanças climáticas: a) custos das catástrofes naturais; b) custos ambientais e de adaptação climática; c) custos de mitigação; d) insegurança alimentar e energética; e) guerras e conflitos sociais (migração climática); f) custos sociais e de saúde pública; entre outros.
Assim, com mais crescimento econômico haverá mais aquecimento global, sem crescimento haverá maior dificuldade na mitigação climática e respectiva adaptação, devido à falta de capacidade de inovação e investimento. A mitigação climática, através das atuais políticas e estratégias de ação climática, surge assim como um paradoxo: o crescimento econômico é simultaneamente seu problema e sua solução.
O economista ambiental e professor universitário britânico Tim Jackson, no livro Prosperidade sem Crescimento (2009), chega a conclusões idênticas, afirmando que, diante dessa realidade, é preciso mudar o paradigma econômico: “Uma coisa é certa. É um tipo de economia completamente diferente da que temos atualmente, que se impulsiona emitindo cada vez mais carbono.”
E em Laudato Si’o Papa Francisco afirma, numa tradução livre: “Não haverá uma renovação da nossa relação com a natureza sem uma renovação da própria humanidade.”