
O Presidente norte-americano, Donald Trump, decretou a suspensão de toda a ajuda militar prestada pelos Estados Unidos à Ucrânia na sequência do confronto verbal ocorrido na sexta-feira com o homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky, na Casa Branca. A decisão foi tomada esta segunda-feira durante um encontro na Casa Branca que incluiu Trump, o vice-presidente norte-americano JD Vance, o chefe da diplomacia norte-americana Marco Rubio, o secretário da Defesa Pete Hegseth e a directora nacional de inteligência Tulsi Gabbard, indica o Washington Post.
A notícia da suspensão foi inicialmente avançada pela Bloomberg e a Fox News. À Bloomberg, um responsável do Pentágono indica que a pausa deverá prolongar-se até que o Presidente norte-americano considere que há da parte da liderança ucraniana um compromisso de boa-fé com a paz. À Fox News, outra fonte da Administração Trump reitera que se trata de “uma pausa” e não de um “cancelamento permanente da ajuda”.
“O Presidente tem sido claro que o seu foco é a paz. Necessitamos que os nossos parceiros tenham um compromisso com esse objectivo também. Estamos a suspender e a rever a nossa ajuda para garantir que esta contribui para uma solução”, declarou por seu turno uma fonte da Casa Branca ao Washington Post. Segundo o jornal, o processo de suspensão da ajuda começou a ser preparado após o incidente de sexta-feira. A ideia que lhe dá base, de congelar o auxílio para forçar a adesão ucraniana a um eventual acordo de paz de contornos até hoje desconhecidos, é contudo anterior à altercação entre Trump e Zelensky.
A pausa abrange a transferência de todo o equipamento militar a caminho da Ucrânia, incluindo armamento que se encontra neste momento em bases norte-americanas na Polónia. Como refere o site noticioso Axios, citando o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), cada pacote de ajuda militar demora cerca de oito meses a chegar ao terreno desde o momento do seu anúncio, pelo que a suspensão agora anunciada travará a entrega de armamento cujo envio foi decidido ainda durante a Administração do democrata Joe Biden.
Vantagem para Moscovo
A prolongar-se, a suspensão da ajuda militar norte-americana favorece as forças russas no campo de batalha e fortalece a posição negocial de Moscovo em eventuais conversações de paz numa altura em que, segundo a CNN, prosseguem os preparativos para um possível encontro entre Trump e o Presidente russo, Vladimir Putin, que ainda não tem data marcada e, até ver, exclui Zelensky.
Desde o início da invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia em 2022, os Estados Unidos anunciaram 65 mil milhões de dólares em ajuda militar a Kiev e o Congresso autorizou 170 mil milhões de dólares em ajuda financeira e humanitária. No total, é um valor menor do que aquele que Trump tem recorrentemente referido ao afirmar, incorrectamente, que o apoio de Washington à Ucrânia tem sido maior que o prestado pelos aliados europeus. Parte das verbas aprovadas pelo Congresso no âmbito de programas de ajuda financeira e humanitária à Ucrânia não chegou a ser implementada devido ao congelamento geral da ajuda externa decretado em Janeiro pela Administração Trump.
Ao longo do dia de segunda-feira, Trump manteve o tom crítico em relação a Zelensky, condenando as declarações feitas pelo Presidente ucraniano durante o fim-de-semana, quando este considerou que a paz “ainda está muito, muito longe”.
“Esta é a pior declaração que podia ter sido feita por Zelensky, e a América não vai aturar isto por muito mais tempo. Foi o que eu disse, este tipo não quer que haja paz enquanto tiver o apoio da América, e a Europa na reunião que teve com Zelensky disse claramente que não podia ajudá-lo sem os EUA – provavelmente não foi uma boa declaração para se fazer em termos de mostrar força perante a Rússia. No que é que eles estavam a pensar?”, escreveu Trump na sua rede social, a Truth Social.
A ideia de que Zelensky é um obstáculo para a paz foi também verbalizada, esta segunda-feira, pelo porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov: “O que aconteceu na Casa Branca na sexta-feira, obviamente, demonstrou o quão difícil será alcançar um acordo em relação à Ucrânia. (…) O regime de Kiev e Zelensky não querem a paz. Eles querem que a guerra continue.”
O congelamento da ajuda militar é anunciado dias depois de Pete Hegseth ter ordenado o Cibercomando das Forças Armadas norte-americanas a suspender também quaisquer acções de guerra cibernética contra a Rússia durante a condução de negociações em vista ao fim do conflito na Ucrânia.
Ruptura na Casa Branca
A relação tensa entre a Administração Trump e Volodymyr Zelensky azedou na sexta-feira, durante a visita do Presidente ucraniano à Casa Branca, onde era esperada a assinatura de um acordo de exploração conjunta de recursos minerais na Ucrânia – um tratado de carácter largamente comercial, que não incluía qualquer garantia de segurança a prestar por Washington a Kiev face a Moscovo, mas que era visto como uma ferramenta para tentar garantir o apoio norte-americano à Ucrânia durante uma eventual negociação de paz com a Rússia.
Durante o encontro, e perante a referência de JD Vance à aposta de Trump numa saída diplomática para o conflito, Zelensky recordou a reiterada quebra de acordos por parte de Putin, desencadeando uma inusitada reacção do “vice” dos Estados Unidos. “Penso que é uma falta de respeito que venha para a Sala Oval tentar debater isto em frente à imprensa norte-americana”, declarou Vance, com Trump a juntar-se de seguida e acusar Zelensky de “jogar com as vidas de milhões de pessoas” e de arriscar “uma Terceira Guerra Mundial”.
Após o momento tenso, em que Zelensky foi acusado de “desrespeitar” Trump e de recusar dizer “obrigado” pelo apoio norte-americano, apesar de o Presidente ucraniano ter agradecido antes, durante e após a sua visita a Washington a ajuda dos EUA, já não se realizou a assinatura do acordo de exploração conjunta de recursos minerais e o líder ucraniano antecipou o seu regresso à Europa.
No Reino Unido, no fim-de-semana, Zelensky reuniu-se com líderes dos países aliados europeus, da União Europeia (UE) e do Canadá, e recebeu garantias do apoio destes, embora também tenha ouvido palavras de encorajamento para a reconstrução da sua relação com Trump. Recusando entrar em confronto com Washington, apesar de um quadro de crescente clivagem atlântica, os líderes europeus convergiram em torno da ideia de aumentar a capacidade militar continental, repto que deverá marcar o Conselho Europeu de quinta-feira.
Portugal deverá contribuir com 300 milhões de euros para um novo pacote adicional de apoio militar à Ucrânia, no valor de 20 mil milhões de euros, que está a ser desenhado em Bruxelas e que poderá ser validado pelos chefes de Estado e governo da UE na reunião extraordinária convocada para esta semana.